T E X T O S

domingo, 21 de março de 2010

O MAL E SUAS RAÍZES Na Colônia, a busca por privilégios e distinção social criou uma nova “nobreza”. Era a origem da nossa desigualdade Ronald Ramine

No final de 2001, a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram uma emenda para alterar a redação do artigo 53 da Constituição Federal. Depois de intermináveis debates, ficava garantido ao Supremo Tribunal Federal o poder de processar os parlamentares por crime comum, sem necessidade de licença concedida pelo Congresso.

Na época, a emenda foi considerada uma grande vitória contra a impunidade. Com o passar do tempo, porém, o entusiasmo acabou. Basta abrir os jornais para se ver que essa mudança na lei pouco coibiu os desvios perpetrados por parlamentares. Recorrendo a artimanhas legais, eles conseguem prolongar a tramitação dos processos em que são acusados ou neutralizar as sentenças que os condenam.

E a impunidade não é privilégio dos políticos. A sociedade já se acostumou a ver como os ricos e famosos conseguem viver imunes aos “rigores” da Justiça. Será que nossa História ajuda a entender como se construiu e consolidou esta situação?

Em um rápido mergulho no passado, fica evidente a instável hierarquia da sociedade luso-brasileira, numa acirrada busca por privilégios individuais que emperrava a luta em favor do coletivo. O “jeitinho brasileiro” e o hábito de “levar vantagem” não são invenções recentes – provêm da sociedade colonial.

Nada mais estranho ao Brasil Colônia, por exemplo, do que a idéia de democracia. Por mais de três séculos vivemos em uma sociedade comandada por militares e religiosos, acrescidos posteriormente de mineiros e mercadores.

Em princípio, os privilégios e as imunidades eram graças concedidas pelo rei aos seus principais aliados. Essa honra era destinada a poucos. Basicamente, aos nobres e fidalgos. Em Portugal, os fidalgos descendiam de homens leais ao rei – guerreiros que lutaram contra os mouros, ao sul, e contra os castelhanos, a leste, para expandir as fronteiras e consolidar o poder da monarquia. Esse grupo seleto recebia títulos honoríficos de duque, marquês, conde ou barão, e desfrutava dos principais cargos, além de foro jurídico privilegiado, isenção fiscal e polpudas rendas concedidas pelo monarca.

Ao contrário dos fidalgos, os nobres não contavam com antepassados ilustres para garantir seus privilégios. Para alcançar a nobreza, os súditos recorriam basicamente a duas estratégias. A primeira era tornar-se um valente guerreiro, reconhecido como tal pelo rei, para receber o foro de fidalgo ou o título de cavaleiro de uma Ordem Militar. A segunda era ingressar na Universidade de Coimbra e receber o título de bacharel em leis ou em cânones, como fizeram, por exemplo, José Bonifácio e Hipólito da Costa. Com essa formação, eles pleiteavam um posto na magistratura e tornavam-se parte da nobreza política do reino, condecorados com as benesses da monarquia.

Tanto fidalgos quanto nobres recebiam pensões e o direito a foro privilegiado caso se envolvessem em causas criminais e cíveis. Se cometessem um assassinato, por exemplo, não seriam julgados pela justiça comum, mas por seus pares.

Em terras tupiniquins, os estratos sociais tornaram-se menos rígidos, viabilizando a ascensão de indivíduos que no reino jamais alcançariam altos patamares. Portugueses conviviam com índios e negros, escravos ou forros. Mais tarde, sobretudo no século XVIII, essa composição social ficou ainda mais complexa com o surgimento dos mestiços, filhos da união entre índios, negros e portugueses.

Nem sempre os primeiros colonizadores dispunham de prestígio para receber um título de cavaleiro ou foro de fidalgo e suas respectivas imunidades e seus privilégios. Eles estavam impedidos pelo defeito de sangue ou defeito mecânico. Em Portugal e em suas possessões ultramarinas, o rei não podia conceder privilégios aos súditos de origem judaica, moura ou gentílica (negros, ameríndios e asiáticos). Mesmo demonstrando lealdade ao monarca, as “raças infectas” eram impedidas de receber as mesmas honras dos brancos católicos. Desde o século XVI, era comum o casamento entre portugueses e índias, ou entre portugueses e negras. Além da mestiçagem racial, para a Colônia vieram muitos cristãos-novos (indivíduos de origem judaica convertidos ao catolicismo), que se misturaram aos cristãos-velhos. Em princípio, todos eles estavam impossibilitados de receber benesses da monarquia devido ao sangue impuro.

Além dos impedimentos de sangue, os súditos deveriam comprovar que seus pais e avós não trabalhavam com as mãos nem exerciam ofícios mecânicos (sapateiro, latoeiro, marceneiro, etc.). Para tanto, realizavam-se investigações (as chamadas provanças) na terra natal do indivíduo que concorria a privilégios e imunidades.

No Brasil, somente uma parte minoritária dos colonos não tinha “defeito” de sangue nem “de mãos”. Com o passar do tempo, porém, formou-se uma nova elite que, mesmo sem as benesses da monarquia, acumulou riquezas e tornou-se poderosíssima: dispunha de terras, engenhos, plantações e até mesmo de exércitos particulares.

Aos poucos, o grupo se integrou à chamada “nobreza da terra”. Assim se definiam os membros da elite de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, formada por um grupo beneficiado pela monarquia e por outro que se tornou poderoso mesmo sem contar com o aval do rei. Ainda que o último não fosse oficialmente reconhecido como nobre, isso não impedia seus membros de negociar postos e benefícios com Lisboa. Os “nobres da terra” ocupavam posições de destaque nas câmaras municipais e cargos militares, controlavam as alfândegas, os recursos e o patrimônio administrado pelas Santas Casas da Misericórdia.

Esse processo era facilitado pela grande distância que separava Lisboa e as capitanias da América portuguesa. O controle do rei sobre esses potentados era atenuado. Nas capitanias mais periféricas, onde a nobreza política era uma raridade, a “nobreza da terra” tinha amplo controle sobre a população, composta de uma minoria de brancos e uma maioria de mestiços, índios, pretos alforriados e escravos.

Longe de ser uma ameaça para a autoridade da metrópole, o poder local desses capitães era indispensável à manutenção do império colonial. A monarquia perdoava seus defeitos para reforçar alianças com aqueles súditos poderosos, radicados em territórios remotos, disputados por outras potências européias. Bom exemplo foi o do filho bastardo do governador do Maranhão, o mameluco Bento Maciel Parente. Ele lutou contra os holandeses e foi agraciado pelo rei com o título de cavaleiro da Ordem de Cristo. Sua participação na guerra foi tão relevante que o monarca concedeu-lhe não só o título, mas também o perdão pelos seus defeitos (bastardia e “sangue infecto”).

Nessas paragens, a ordem era imposta pelos militares. Dominando postos administrativos, terras, armas e mão-de-obra, eles freqüentemente contrariavam as leis portuguesas, mas eram tolerados devido aos postos estratégicos que ocupavam.

Quanto mais leais e úteis ao soberano, mais honra e privilégios reuniam. E essa tradição não se limitava aos portugueses e seus descendentes, pois indígenas, negros e pardos também pleiteavam benefícios. Se fossem chefes militares, melhor: consideravam-se acima das leis por contar com um trunfo valioso: a capacidade de liderar tropas e de defender os interesses régios. Por lutar na guerra contra os holandeses em Pernambuco, o chefe indígena Felipe Camarão e o líder negro Henrique Dias também receberam o perdão do rei e a promessa de pensão, cargos, título de cavaleiro e comenda (rendas provenientes da exploração territorial). Esses leais vassalos logo pleitearam ao monarca que tal patrimônio fosse herdado por seus filhos e netos. A família Camarão desfrutou desse privilégio durante cem anos.

De tão arraigada no cotidiano, a busca por privilégios sobreviveu às muitas metamorfoses do país. É possível identificá-la até hoje – como na prática de julgamento especial para policiais e militares e no direito à prisão especial para aqueles que concluíram um curso superior.

Num ambiente em que todos sempre foram desiguais perante a lei, a desigualdade não é problema. É tradição.

Ronald Raminelli é professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do livro Viagens Ultramarinas; monarcas, vassalos e governo a distância (Alameda Casa Editorial, 2008)

FONTE: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2027

MARGINALIZADOS MAS, ESCRAVISTAS

A forte presença açoriana no sul do Brasil originou-se de uma política portuguesa de imigração idealizada e sustentada em outra política, a de “povoamento”. Essa era a forma de garantir a posse das terras mais meridionais do Brasil para Portugal. Tal colonização deve-se a um plano estratégico, no qual os açorianos foram protagonistas importantes. Quem eram, no entanto, os açorianos? Conquistados pelos portugueses em 1431, o arquipélago dos Açores é composto por três grupos de ilhas dispostas: ao Sul: Santa Maria e São Miguel; ao Centro: Terceira, São Jorge, Pico e Faial; e, finalmente, a Oeste: as ilhas Flores e Corvo. Para alguns autores, o arquipélago já no século 18 era significativamente povoado, apresentando sérios problemas sociais.
Talvez por isso, a política imigratória portuguesa tensionava resolver, de uma vez, dois problemas. A ocupação territorial no Sul do Brasil, atraindo aqueles colonos que almejavam uma “nova vida”. A povoação açoriana no extremo Sul foi, todavia, cercada de desencontros e percalços. Muitos dos casais que desembarcaram em Rio Grande deveriam ir para a região das Missões, mas devido aos conflitos decorrentes do fracasso do Tratado de Madri, os açorianos terminaram se dispersando para Viamão, Porto Alegre, Rio Pardo, entre outras localidades; vivendo em choupanas sem receberem a “terra prometida”.
Mas, qual o motivo desses casais, em grande parte, terem ficado sem terras? Na segunda metade do século 18, em um documento enviado ao governador Sá e Faria, o vice-rei, Conde da Cunha, afirmava ser: “notório que há algumas pessoas que têm duas, três ou mais sesmarias e que por esta causa ficou Sua Majestade sem ter terras para acomodar os casais.” No mesmo documento ordena que esses açorianos fossem assentados: “ainda que seja em sesmarias das mais apontentadas pessoas.”
Os registros de terras concedidas a casais açorianos datam, inicialmente, de 1770, isso pelo fato de não se ter ainda, naquele momento uma Lei de terras, que somente passaria a vigorar em 1850 no Brasil. Mesmo assim muitos não receberam ferramentas, e os provimentos necessários conforme constava no Edital de Emigração. O sofrimento dos ilhéus que vieram para o Sul, não parou por aí. Mesmo depois de assentados, podiam ser recrutados para as lides do exército ou mesmo ter suas plantações confiscadas para alimentar os soldados.
Em Conceição do Arroio os açorianos chegaram por volta de 1752, implementando a lavoura de cana de açúcar. Seria, entretanto, apressado afirmar-se que essa freguesia forjara-se açoriana, pois sabemos que já existia, nesse território uma ocupação muito antiga, de origem lagunense. Segundo o historiador Fábio Kuhn, em registro de moradores de 1785, uma espécie de censo agrário da época, constava 46 proprietários de terras, sendo que os casais açorianos estabelecidos em datas eram apenas 16 desse total.
Mas é inegável a presença dos ilhéus no litoral norte do Rio Grande do Sul, e as marcas de sua cultura se não permaneceram originais, pelo menos, se mesclaram – com o tempo – à de outras etnias que também se fixaram nessa região. Uma outra questão interessante é o fato dos açorianos possuírem ou não escravos. Em seu estudo sobre a escravidão no Brasil meridional, Fernando Henrique Cardoso apontava para uma reflexão que parecia tornar esse fato bastante improvável. Todavia, Helen Osório, em seu doutoramento, questionou vários aspectos sobre esse estudo de FHC, analisando, através de inventários, a categoria social dos pequenos agricultores, dentre os quais se encontravam muitos açorianos e constatou-se que 75% possuíam escravos.
Em Conceição do Arroio, o próprio Pascoal Marques da Rosa que era açoriano e se tornou um importante proprietário da região, era também proprietário de trabalhadores escravizados. Não somente ele, mas os seus descendentes, na geração seguinte, foram escravistas. Açorianos, mas também escravistas.

Prof. Jerri Almeida

domingo, 14 de março de 2010

Ciências Humanas e suas Tecnologias - ENEM



VEJA ABAIXO OS CONTEÚDOS E HABILIDADES QUE A PROVA DO ENEM EXIGE DO ALUNO NA ÁREA DAS CIÊNCIA HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS

Diversidade cultural, conflitos e vida em sociedade
Cultura Material e imaterial; patrimônio e diversidade cultural no Brasil.
A Conquista da América. Conflitos entre europeus e indígenas na América
colonial. A escravidão e formas de resistência indígena e africana na América.
História cultural dos povos africanos. A luta dos negros no Brasil e o negro na
formação da sociedade brasileira.
História dos povos indígenas e a formação sócio-cultural brasileira.
Movimentos culturais no mundo ocidental e seus impactos na vida política e
social.
Formas de organização social, movimentos sociais, pensamento político e
ação do Estado
Cidadania e democracia na Antiguidade; Estado e direitos do cidadão a partir da
Idade Moderna; democracia direta, indireta e representativa.
Revoluções sociais e políticas na Europa Moderna.
Formação territorial brasileira; as regiões brasileiras; políticas de reordenamento
territorial.
As lutas pela conquista da independência política das colônias da América.
Grupos sociais em conflito no Brasil imperial e a construção da nação.
O desenvolvimento do pensamento liberal na sociedade capitalista e seus
críticos nos séculos XIX e XX.
Políticas de colonização, migração, imigração e emigração no Brasil nos séculos
XIX e XX.
A atuação dos grupos sociais e os grandes processos revolucionários do século
XX: Revolução Bolchevique, Revolução Chinesa, Revolução Cubana.
Geopolítica e conflitos entre os séculos XIX e XX: Imperialismo, a ocupação da
Ásia e da África, as Guerras Mundiais e a Guerra Fria.
Os sistemas totalitários na Europa do século XX: nazi-fascista, franquismo,
salazarismo e stalinismo. Ditaduras políticas na América Latina: Estado Novo no
Brasil e ditaduras na América.
Conflitos político-culturais pós-Guerra Fria, reorganização política internacional e
os organismos multilaterais nos séculos XX e XXI.
A luta pela conquista de direitos pelos cidadãos: direitos civis, humanos, políticos
sociais. Direitos sociais nas constituições brasileiras. Políticas afirmativas.
Vida urbana: redes e hierarquia nas cidades, pobreza e segregação espacial.
Características e transformações das estruturas produtivas
Diferentes formas de organização da produção: escravismo antigo, feudalismo,
capitalismo, socialismo e suas diferentes experiências.
Economia agro-exportadora brasileira: complexo açucareiro; a mineração no
período colonial; a economia cafeeira; a borracha na Amazônia.
Revolução Industrial: criação do sistema de fábrica na Europa e transformações
no processo de produção. Formação do espaço urbano-industrial.
Transformações na estrutura produtiva no século XX: o fordismo, o toyotismo, as
novas técnicas de produção e seus impactos.
A industrialização brasileira, a urbanização e as transformações sociais e
trabalhistas.
A globalização e as novas tecnologias de telecomunicação e suas
conseqüências econômicas, políticas e sociais.
Produção e transformação dos espaços agrários. Modernização da agricultura e
estruturas agrárias tradicionais. O agronegócio, a agricultura familiar, os
assalariados do campo e as lutas sociais no campo. A relação campo-cidade.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Fronteiras entre o Real e o Imaginário: O diálogo possível entre História e Literatura

Jerri R. Almeida
Historiador. Autor do livro: Heróis de Papel: As representações sobre a Revolução Farroupilha na Literatura


A produção literária, desde a Grécia Antiga, vem moldando seus enredos e suas tramas utilizando-se de contextos e fatos históricos. Os romances épicos, que em muitos casos terminam virando, contemporaneamente, filmes ou novelas de grandes sucessos, exploram os aspectos de época, muitas vezes, adicionando elementos mentais e culturais de nosso tempo. Essa é uma questão perigosa, pois pode gerar os famosos anacronismos históricos. Seria algo como um romance que se passa no Egito, na época de um faraó qualquer, falar em “burguesia egípcia”. Ora, “burguesia” é um conceito que começa a ser construído por volta dos séculos XII-XIII, no Ocidente Medieval. Portanto, romances onde conceitos ou idéias são usados fora de seu contexto histórico, tornam-se anacrônicos.
Todavia, a literatura propõe-se, nesses casos, a uma reinterpretação lúdica da História. Se, por um lado isso agrada ou atinge os leitores, por outro, desagrada os historiadores que vêem em tal postura, uma deturpação da memória histórica, ou seja, a subjetividade do escritor reescrevendo, idilicamente a História. Tal problema é pertinente, a nível teórico, talvez porque seja essa a representação que permanecerá não somente na memória individual do leitor, mas na própria memória coletiva das gerações.
Assim sendo, o texto literário resguarda em suas entranhas uma boa dose de “perversidade”, isto é, uma intencionalidade nem sempre clara, um componente ideológico que, independente do que pensa o autor, ganha vida própria na mente de cada novo leitor. Bakhtin assevera que “A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial.” Logo, a Literatura, assim como a História, têm o poder de criar representações coletivas, forjando tradições, mitos e identidades.
Ocorre que, a partir, principalmente da segunda metade do século XX, a História passou a valorizar a produção literária enquanto fonte para a pesquisa historiográfica. A problematização do texto ficcional permite ao historiador um descortinar de novos referenciais, em seu modelo de análise. Sabemos que a narrativa ficcional, ao alcançar nível artístico elevado, pode torna-se valiosa fonte documental, quando expressa os cenários, a linguagem, as concepções e visões de mundo, as relações de dominação de classes, etc.
Depreende-se que o “diálogo” entre História e Literatura se torna uma via possível de estudos de fronteiras. Em que pese essa constatação, do ponto de vista de sua função, o papel do historiador não é fazer Literatura. A tendência de historiadores utilizarem-se da produção literária, ao longo e, mais intensamente no final do século XX, para a produção do conhecimento histórico, abriu um leque de questionamentos no que, para alguns, seria a transformação da História (enquanto área do conhecimento científico) em uma espécie de expressão da própria Literatura. Nesse sentido, Chartier foi incisivo ao afirmar: ”o historiador não faz literatura”, pois o ofício de historiador, para ele, possui “operações específicas” que podem ser relacionadas na seguinte dinâmica metodológica: construção e tratamento de dados, produção de hipóteses, crítica e verificação de resultados, validação da adequação entre o discurso do conhecimento e seu objeto.
A seu turno, a Literatura não é somente um fenômeno estético, mas também uma manifestação cultural e, sob esse aspecto, possui imensa organicidade de registros da experiência humana. A obra literária, portanto, dialogando com os diversos contextos sócio-culturais, permite ao historiador uma leitura problematizada, permeada de possibilidades para um “algo mais” em termos de análise da construção dos discursos e representações sobre o passado.
Logo, em cada época, as representações , através dos elementos discursivos, tratam de concretizar o desejado, o vivido e o não-vivido, os sonhos e aspirações: o bom cidadão, a mulher ideal, o valente guerreiro. A Literatura, nesse particular, é enfática, como apresentou Aristóteles na Poética: “[...] se apreende que o poeta conta, em sua obra, não o que aconteceu e sim as coisas quais poderiam vir a acontecer e que sejam possíveis tanto da perspectiva da verossimilhança como da necessidade.”

Referências Bibliográficas

BAKHTIN, Michail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 8ª ed. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 95
MAESTRI, Mário. Deus é Grande o Mato é maior. História, trabalho e resistência dos trabalhadores escravizados no RS. Passo Fundo: UPF, 2002. p.131.
CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos Históricos, n. 13, Jan/Jun. 1994. p. 110-112.
Entendemos por “representação” as práticas e os sistemas simbólicos por meios dos quais os significados são produzidos.

terça-feira, 9 de março de 2010

SURGIRAM MUDANÇAS, MAS A EXPLORAÇÃO CONTINUAVA – O BRASIL NA REPUBLICA VELHA (1889-1930)

Após o golpe militar que acabou com monarquia, o Brasil mudava sua forma de governo e se transformava uma República. Uma nova bandeira foi criada para substituir a antiga bandeira do Império. O lema da bandeira nacional: “Ordem e Progresso” veio da filosofia positivista do francês Augusto Comte, que pregava que o progresso somente pode ser atingido através da ordem.

Em 1891 foi estabelecida uma nova Constituição para o Brasil. Ela estabelecia, entre outras coisas:

Forma de governo – o Brasil adotava a República e seus agentes políticos (presidente, governador, prefeito, deputados, senadores, vereadores) exerceriam mandatos por tempo limitado e seriam eleitos pelos cidadãos;

Forma de Estado – o Brasil adotava o “federalismo”, isto é, os estados teriam liberdade para eleger governador e deputados. Cada estado teria sua Constituição própria, que, entretanto, não poderia contrariar as normas da Constituição Federal;

Sistema de Governo – o Brasil adotava como sistema de governo o presidencialismo, ou seja, o presidente da república exerceria o poder executivo máximo, sendo auxiliado por ministros.

Nos primeiros tempos da República, predominou o poder político nas mãos dos militares, mas logo depois, a partir de Prudente de Morais (1894-1898), instituiu-se uma oligarquia política onde o poder passou a ser dominado pelos grandes fazendeiros. Tal como ocorria nos últimos anos do Império, o voto continuou a ser permitido apenas às pessoas alfabetizadas, maiores de 21 anos. Estavam excluídos do direito de voto os: mendigos, criminosos, soldados, as mulheres (que eram, nessa época, quase metade da população) e os religiosos. Além disso, o voto era aberto, ou seja, o eleitor era obrigado a revelar publicamente o candidato em que votou, o que possibilitava aos grandes fazendeiros pressionar os eleitores na hora da votação.

Naquela época não existia também uma “justiça eleitoral”, como existe hoje, para fiscalizar as eleições. Sem um controle sério sobre as eleições, o processo eleitoral sofria as mais diversas fraudes: havia pessoas que votavam com o nome de outras pessoas que já haviam morrido; pessoas que votavam duas vezes, etc. O controle do processo eleitoral estava, portanto, nas mãos das elites dominantes.

Foi nessa época, também que o casamento passou a ser feito por um juiz, num cartório e passou a ser considerado o único legitimamente reconhecido. Assim, o casamento oficial deixou de ser feito na igreja para se realizar no cartório. Houve uma separação entre a Igreja e o Estado e, com isso, o catolicismo deixou de ser a religião oficial do Estado Brasileiro.

No período da República Velha, o chamado “coronelismo” existiu em diversas partes do Brasil, do Nordeste ao Rio Grande do Sul, só que de maneira diferente. De forma geral, podemos considerar por coronelismo o poder local dos grandes fazendeiros. O coronel, caracterizado pelo prestígio e poder de mando, era o chefe político local ou regional, geralmente um latifundiário, cujo poder era maior ou menor de acordo com o número de votos por ele controlado para assegurar nas eleições a vitória dos seus candidatos. .

Geralmente, o coronel exercia uma série de funções que o fazem temido e obedecido. Ele dispensava favores para seus empregados e conhecidos, ajudando doentes, arrumando empregos, apadrinhando os filhos de amigos e serviçais. Aos familiares e amigos ele distribuía empregos públicos, emprestava dinheiro, protegia-os da polícia e de inimigos políticos. Todos esses “favores”, no entanto, eram devidamente “cobrados” em época de eleições, quando o fazendeiro exigia o apoio para seus candidatos políticos.

O famoso “voto de cabresto” era outra tática usada pelos grandes proprietários rurais. Tratava-se de pressionar ou coagir o eleitor a votar em determinado candidato utilizando-se, para isso, dos seus jagunços e, até mesmo, de matadores profissionais para intimidá-lo.

Do pondo de vista econômico, o grande produto de exportação foi o café. O segundo produto foi a borracha da Amazônia, superando o açúcar. Era grande a compra desse produto pelos países mais desenvolvidos, principalmente, após a invenção da bicicleta com pneus de borracha, e, depois, com o surgimento do automóvel.

No nível federal, a República Velha manteve, por um bom tempo, a chamada “política do café-com-leite”. Essa política se caracterizou pela liderança dos chefes políticos do Partido Republicano Paulista e do Partido Republicano Mineiro, e resultou, entre outras coisas, num revezamento de presidentes paulistas e mineiros até 1930. Na prática, a política do café-com-leite foi um acordo entre os grupos políticos de São Paulo (que produzia café) e Minas Gerais (que produzia leite) para um apoio mútuo em época de eleição para presidente. Nessa época esses dois estados (SP-MG) possuíam a maior quantidade de eleitores do país, de forma que eles, juntos, podiam decidir as eleições. Em uma época, Minas indicava o seu candidato e São Paulo o apoiava. Quando seu mandato terminava, era a vez de São Paulo indicar o seu candidato, e Minas o apoiava.

Na prática, nessa época não havia efetivamente uma “democracia”, pois a população mais pobre era facilmente manipulada pela classe mais abastada. Mas isso não significa que o povo brasileiro era passivo diante da exploração. Durante a República Velha houve várias revoltas populares contra o governo.