T E X T O S

domingo, 21 de março de 2010

MARGINALIZADOS MAS, ESCRAVISTAS

A forte presença açoriana no sul do Brasil originou-se de uma política portuguesa de imigração idealizada e sustentada em outra política, a de “povoamento”. Essa era a forma de garantir a posse das terras mais meridionais do Brasil para Portugal. Tal colonização deve-se a um plano estratégico, no qual os açorianos foram protagonistas importantes. Quem eram, no entanto, os açorianos? Conquistados pelos portugueses em 1431, o arquipélago dos Açores é composto por três grupos de ilhas dispostas: ao Sul: Santa Maria e São Miguel; ao Centro: Terceira, São Jorge, Pico e Faial; e, finalmente, a Oeste: as ilhas Flores e Corvo. Para alguns autores, o arquipélago já no século 18 era significativamente povoado, apresentando sérios problemas sociais.
Talvez por isso, a política imigratória portuguesa tensionava resolver, de uma vez, dois problemas. A ocupação territorial no Sul do Brasil, atraindo aqueles colonos que almejavam uma “nova vida”. A povoação açoriana no extremo Sul foi, todavia, cercada de desencontros e percalços. Muitos dos casais que desembarcaram em Rio Grande deveriam ir para a região das Missões, mas devido aos conflitos decorrentes do fracasso do Tratado de Madri, os açorianos terminaram se dispersando para Viamão, Porto Alegre, Rio Pardo, entre outras localidades; vivendo em choupanas sem receberem a “terra prometida”.
Mas, qual o motivo desses casais, em grande parte, terem ficado sem terras? Na segunda metade do século 18, em um documento enviado ao governador Sá e Faria, o vice-rei, Conde da Cunha, afirmava ser: “notório que há algumas pessoas que têm duas, três ou mais sesmarias e que por esta causa ficou Sua Majestade sem ter terras para acomodar os casais.” No mesmo documento ordena que esses açorianos fossem assentados: “ainda que seja em sesmarias das mais apontentadas pessoas.”
Os registros de terras concedidas a casais açorianos datam, inicialmente, de 1770, isso pelo fato de não se ter ainda, naquele momento uma Lei de terras, que somente passaria a vigorar em 1850 no Brasil. Mesmo assim muitos não receberam ferramentas, e os provimentos necessários conforme constava no Edital de Emigração. O sofrimento dos ilhéus que vieram para o Sul, não parou por aí. Mesmo depois de assentados, podiam ser recrutados para as lides do exército ou mesmo ter suas plantações confiscadas para alimentar os soldados.
Em Conceição do Arroio os açorianos chegaram por volta de 1752, implementando a lavoura de cana de açúcar. Seria, entretanto, apressado afirmar-se que essa freguesia forjara-se açoriana, pois sabemos que já existia, nesse território uma ocupação muito antiga, de origem lagunense. Segundo o historiador Fábio Kuhn, em registro de moradores de 1785, uma espécie de censo agrário da época, constava 46 proprietários de terras, sendo que os casais açorianos estabelecidos em datas eram apenas 16 desse total.
Mas é inegável a presença dos ilhéus no litoral norte do Rio Grande do Sul, e as marcas de sua cultura se não permaneceram originais, pelo menos, se mesclaram – com o tempo – à de outras etnias que também se fixaram nessa região. Uma outra questão interessante é o fato dos açorianos possuírem ou não escravos. Em seu estudo sobre a escravidão no Brasil meridional, Fernando Henrique Cardoso apontava para uma reflexão que parecia tornar esse fato bastante improvável. Todavia, Helen Osório, em seu doutoramento, questionou vários aspectos sobre esse estudo de FHC, analisando, através de inventários, a categoria social dos pequenos agricultores, dentre os quais se encontravam muitos açorianos e constatou-se que 75% possuíam escravos.
Em Conceição do Arroio, o próprio Pascoal Marques da Rosa que era açoriano e se tornou um importante proprietário da região, era também proprietário de trabalhadores escravizados. Não somente ele, mas os seus descendentes, na geração seguinte, foram escravistas. Açorianos, mas também escravistas.

Prof. Jerri Almeida

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